A reforma tributária: a urgência de uma necessária e ampla reforma

 

A reforma tributária é sem dúvidas uma das mais importantes e mais debatidas medidas para alavancar o desenvolvimento econômico e social do país. O atual sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e aumenta consideravelmente o conhecido custo Brasil, inviabilizando o desenvolvimento econômico, o crescimento tecnológico, a criação de novos postos de trabalho e os investimentos internos e externos no país.

Há décadas o assunto é amplamente debatido pelos setores econômicos, meios empresariais e por muitos outros grupos da sociedade, mas ainda nenhum governo esforçou-se em progredir e dar encaminhamento à resolução que é o caos tributário no Brasil. Dentre as recentes propostas apresentadas estão a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a redução da carga tributária indireta, a simplificação do regime tributário, entre outras. Essas propostas objetivam reduzir a guerra fiscal entre os entes da federação, modernizar o sistema tributário, diminuir os gastos financeiros, reduzir recursos para o pagamento dos impostos e auxiliar na efetiva entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para este último, torna-se imprescindível uma profunda reforma tributária para se adequar aos padrões fiscais globais, visto que o atual sistema tributário nacional prejudica fortemente as empresas brasileiras nos âmbitos nacional e internacional.

 

O retrato do atraso do nosso sistema tributário

 

Com a finalidade de ampliar o debate sobre o assunto, a FGV, em outubro de 2018, publicou conteúdo relacionado em seu periódico Cadernos FGV Projetos, n. 34, ano 13, para tratar do necessário tema reforma tributária. O caderno apresenta o relatório Doing Business 2018, do Banco Mundial, que compara o ambiente de negócios entre 190 países. Em razão do internacionalmente conhecido caos tributário, o Brasil ocupa a 125ª posição no ranking de países para se fazer negócios, a 176ª para abertura de empresas, o pior entre os países do Mercosul e dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o 184º lugar no ranking para pagamento de impostos. As empresas no Brasil gastam quase duas mil horas por ano para cumprir suas obrigações fiscais e um gasto financeiro de cerca de R$ 60 bilhões por ano com os diversos impostos que compõem nosso sistema tributário. O clima é altamente desfavorável para o empreendedorismo no Brasil. De acordo com o Banco Mundial, em média, as empresas no Brasil gastam cerca de 1.958 horas para cumprir com suas obrigações fiscais, ante uma média de 332 horas na América Latina e no Caribe.

 

O que está em pauta sobre a reforma tributária?

 

Luiz Carlos Hauly, economista, deputado federal, um dos entrevistados pelo caderno da FGV e congressista à frente da Comissão Especial da Reforma Tributária, diz que a reforma ideal para o Brasil é aquela capaz de diminuir a regressividade, resolver os problemas de formação dos preços da economia brasileira, reduzir o custo de produção do setor produtivo brasileiro, da folha de pagamentos, da burocracia, do capital investido e da contratação da mão de obra. Além disso, o deputado afirma que tal reforma deve abranger a redução do custo do capital investido pelas empresas em máquinas, equipamentos e bens do ativo fixo. O congressista também analisa que a carga tributária está entre 33% e 36% do Produto Interno Bruto do Brasil, fazendo com que os mais ricos incorporem a riqueza do país em detrimento das classes mais baixas, que são oneradas excessivamente. Finalmente ressalta que o sistema é tão complexo, tão anárquico, que aquele que pode mais ainda tem uma série de benefícios fiscais. O Brasil é o único país do mundo que tem cobrança de tributos nas unidades estaduais, o ICMS, e municipais, o ISS. O resultado disso é caos tributário, ora a cobrança é municipal, ora estadual, ora se cobra na origem, ora no destino, muitas vezes ocasionando bitributação. Para progressivamente melhorar a situação tributária no país, Hauly propõe, em resumo, a adição de uma forma clássica mundial do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que é utilizado na Europa e no Canadá, com cobrança nacional e de destino.

Roberto Carneiro da Cunha, economista, advogado, coordenador da banca de direito tributário do Exame da OAB e também entrevistado pela FGV Projetos, diz que o IVA federal, que é a união do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), deve corrigir as distorções relativas ao sistema de créditos, resolver a questão do conceito de insumos e a ausência de créditos relativos aos salários, que induz à terceirização. Mas alerta que dificilmente este último será contemplado na reforma, mas defende menor tributação do consumo e maior tributação no imposto de renda, como recomenda a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Para apresentar a elevada carga tributária brasileira, Mansueto de Almeida, Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, que também contribui na elaboração desta edição n. 34 do FGV Projetos, diz que em 2016 o Brasil teve uma arrecadação tributária bruta de R$ 2 trilhões (32,4% do PIB), próximo à carga tributária média de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com a OCDE, no mesmo ano, a carga tributária média para América Latina e Caribe foi de 22,7% do PIB, cerca de 10 pontos percentuais inferiores à carga tributária brasileira. Segundo Mansueto, no entanto, o maior problema do Brasil são os regimes especiais de tributação que levam a uma situação de injustiça fiscal e crescentes distorções na decisão de investimento e tamanho das empresas.

As empresas no regime de lucro real pagam de Imposto de Renda e Contribuição Social uma alíquota de 34% sobre o lucro líquido. No Reino Unido, por exemplo, a tributação sobre os lucros é de 21%, mas lá se tributa a distribuição dos lucros sob a forma de dividendos, o que não acontece no Brasil. Bernard Appy (2016) exemplifica esse problema comparando um advogado que ganha R$ 30 mil por mês. Como empregado, a carga tributária de sua renda bruta seria de 39,9%. Contudo, se esse mesmo advogado for contratado como Pessoa Jurídica, no regime do Simples Nacional, por exemplo, a incidência tributária sobre a sua renda passa a ser de apenas 9,6%; enquanto no regime de lucro presumido, a tributação seria de 14,7%. O mesmo raciocínio da confusão fiscal também é apresentado por Pêgas (2019), que destaca que no Brasil de cada 100 empresas 70 utilizam o Simples Nacional, 5 são imunes/isentas, 22 utilizam o lucro presumido e 3 o lucro real. O ICMS é estadual e tem muita discussão judicial por conta deste fato e da sua cobrança por dentro. O PIS e COFINS são cobrados de forma diferente dependendo da forma de tributação sobre o lucro das empresas. As contribuições para PIS e COFINS tem uma regra para empresas do lucro presumido e outra para as tributadas pelo lucro real. Além disso, existem diversos modelos diferentes, específicos para atividades e empresas, com bases de cálculo e alíquotas diferenciadas. Isso tudo causa muitas divergências de interpretação da legislação entre as empresas e a Receita Federal do Brasil.

 

A complexa e alta carga tributária brasileira

 

Para melhor exemplificar a complexa e a alta carga tributária brasileira, Pêgas (2019) cita o seguinte exemplo:

Uma indústria tributada pelo lucro presumido ao vender um produto para uma empresa comercial por um preço de R$ 2.000,00 deverá pagar os seguintes tributos, considerando alíquota de IPI de 15% e de ICMS de 18%:

– IPI de R$ 300,00 (15% cobrado por fora), acrescido ao preço de venda de R$ 2.000,00

– ICMS de R$ 360,00 (18% cobrado por dentro)

– COFINS de R$ 60,00 (3% cobrado por dentro)

– PIS de R$ 13,00 (0,65% cobrado por dentro)

Logo, o preço final do produto é de R$2.300,00, inclusos R$733,00 nos quatro tributos listados. Se adotada a prática mundial com um único imposto sobre valor agregado e cobrado por fora, a alíquota teria que ser 47% para se cobrar os mesmos R$733,00 da empresa industrial vendedora.

Pêgas (2019) também comparou as demonstrações financeiras das 50 maiores empresas dos principais setores da economia brasileira de dezembro de 2017 com o mesmo período do ano anterior, além das cinco maiores instituições financeiras do país. O valor total dos processos tributários, considerando os riscos prováveis ou possíveis totalizaram R$509 bilhões em 2017 ante R$507 bilhões em 2016. Este valor representa 52% do Patrimônio Líquido das empresas analisadas. Para melhor ilustrar a situação o autor cita o caso da Marfrig, que com mais da metade de suas subsidiárias fora do Brasil apresenta muitos litígios tributários com risco de perda possível no valor de R$ 1.419 milhões apenas no Brasil. O autor cita também o caso da Ambev, que declara ter operações em 18 países entre Brasil, Canadá, Argentina, Uruguai, Chile, Panamá, Cuba e outros. Dos seus 51 mil empregados, aproximadamente 20 mil estão em empresas controladas atuando no exterior. A receita líquida da empresa corresponde a 55% de suas operações no Brasil e 45% de suas operações nas subsidiárias. Porém, observa-se que as perdas possíveis em litígios tributários de R$ 55 bilhões se referem exclusivamente a autuações efetuadas pelas autoridades fiscais brasileiras.

 

Qual a solução para a reforma tributária?

 

Bernard Appy (2016) enfatiza que não há solução fácil para uma ampla reforma tributária no Brasil. Dada a complexidade da estrutura tributária brasileira, qualquer reforma desse sistema deverá ser feita de forma gradual para evitar perdas de arrecadação ou mais distorções. Em sua participação no FGV Projeto em 2018, salientou que todos os problemas dos atuais tributos sobre bens e serviços seriam superados se o Brasil os tributasse por meio de um bom Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), cujas características estão bem estabelecidas: a) Incidência sobre uma base ampla de bens e serviços; b) Não cumulatividade ampla, garantindo-se o direito ao crédito sobre todos os bens e serviços utilizados na atividade produtiva; c) Desoneração completa de exportações e investimentos; d) Alíquota uniforme para todos os bens e serviços e o mínimo de regimes especiais; e) Tributação no destino; f) Ressarcimento tempestivo de créditos acumulados, com proposta de os cinco tributos atuais serem progressivamente substituídos por um único imposto do tipo IVA, denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com arrecadação, centralizada, sendo a receita partilhada entre a União, os estados e os municípios, com transição dos tributos atuais para o IBS ao longo de dez anos, começando com alíquota de 1% aumentando progressivamente ao passar dos anos.

 

Reforma tributária para destravar o Brasil

 

Ante o exposto, fica claro um dos motivos que levaram o Brasil à estagnação econômica e tecnológica. Com diversas oportunidades menos arriscadas de investimentos, os provedores de capitais obviamente optam por destinar seus recursos a países mais seguros, transparentes, com melhores níveis de educação, menores níveis de corrupção e certamente com um sistema tributário mais eficiente e juridicamente estável. Por este motivo, a reforma tributária é fundamental para o desenvolvimento econômico e o fortalecimento do país no cenário internacional globalizado, que conta com um sistema financeiro cada vez mais transparente e coordenado. O Brasil precisa, com urgência, de uma reforma que atue na redução, na otimização e na simplificação dos impostos, que leve em conta experiências internacionais e um pacto social nacional, para, enfim, vislumbrar uma possível entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Pêgas (2019) conclui que é muito difícil tornar o Brasil um país desenvolvido com a cobrança de tributos da forma como temos hoje. É preciso com urgência continuar o trabalho desenvolvido a partir do projeto do Deputado Luiz Carlos Hauly ainda que precise de relevantes ajustes. O autor ainda finaliza dizendo que o Brasil não precisa de uma reforma tributária, mas sim, de um novo modelo tributário.

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Guilherme Tomaz
Sócio e Diretor Executivo
Tradeport Valuation

Referências

APPY, Bernard. Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado? Versão revisada (e atualizada para 2016) de um artigo publicado na Revista Interesse Nacional, em dezembro de 2015 (Ano 8, Número 31). Acesso em 21/04/2021.

Disponível em: http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/por-que-o-sistema-tributario-brasileiroprecisa-ser-reformado/

FGV Projetos. Reforma Tributária: Debates e Reflexões. Ano 13, n. 34, out/2018. Acesso em 21/04/2021.

Disponível em: https://conhecimento.fgv.br/sites/default/files/cadernos_tributacao-final.pdf

Pêgas, Paulo Henrique. Qual é o tamanho dos Litígios Tributários das 50 Maiores Empresas do Brasil? Estudos em Contabilidade e Tributação, v.1: e25. IPECRJ – Instituto de Pesquisas e Estudos Contábeis, 2019.